Tinha umas coisas minhas para resolver no centro de Campinas e lá vagava eu numa tarde do ano passado. Era uma bela tarde, lembro. Mas eu carregava comigo toda uma carga de pensamentos potencialmente desagradáveis; o sol brilhar bonito não era suficiente. Sim, ele brilhava, e todo o cenário também conspirava para que minha caminhada não fosse tão sofrida - embora fosse; andava eu por uma rua não asfaltada do Cambuí, bairro nobre, cheia de prédios bonitos, arborizada, movimentada, com suas padarias e restaurantes.
De longe reparei num poste que distoava um pouco da terápica paisagem. Parecia um asteriscão, um pin head urbano, um tacape gigante, tantos eram os fio que chegavam nele. Um "Nossa, que... que... feio" me atravessou a mente e logo voltei a remoer de leve minhas idéias sofridas.
Quando passava perto do poste, ouvi um "brzzzzt" vindo do alto. Sem pânico, reagi com procedimento padrão de quem acha que algo vai lhe cair na cabeça. Encolhi o ombros, afundando a cabeça um bocadinho, franzi a testa, fiz careta e balbuciei um "aiaiai". Num nada de tempo, caiu bem ao meu lado, entre a calçada e um carro, a verdadeira vítima do dia. Digo verdadeira porque foi um pombo quem se estorou todo num fio elétrico, não eu.
Um misto de emoções então me percorreu a alma; senti-me iluminado. Parecia que eu já sabia de tudo aquilo. Desde o momento que eu avistei o poste. Desde o momento que sai de casa tristonho. Juro, acho que vislumbrei por alguns instantes o funcionar de todas as coisas. Os cosmos me derramaram o entendimento. O universo me permitiu vislumbrar parte de suas linhas mal-traçadas. Vi os planos de Deus. (Exagero?). Sorri.
Eu estava ali de pé, o pássaro não - ele dava agora dois espasmos ou três. Eu estava amargurado. Vai saber quem se o pombo não estava aproveitando aquele dia ao máximo? Pensei na família dele. Pensei em para onde ele ia, de onde vinha. Pensei na minha família. Pensei em de onde eu vim, para onde eu ia. Para ele, tudo em vão. E eu continuava ali de pé.
Olhei em volta para ver se alguém mais tinha presenciado o óbito do pobre animal. Mas não, só estava eu ali parado, só eu vi, só eu fazia parte daquilo. O carro do lado dele, quando saísse, se desse ré, esmagaria o infeliz. Agachei. Ensaiei um movimento para trazê-lo mais para perto da calçada, mas recuei. Não queria sujar as mãos. Pombos são sujos, já me disse alguém. Estranhei meu egoísmo, mas "ele já está morto mesmo" e "cara, é só um pombo" me convenceram que não havia mais nada a ser feito.
E continuei ali sorrindo. Depois saí.
quarta-feira, 4 de junho de 2008
O passarinho que vi morrer
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5 comentários:
Não é que é bom mesmo? E entre as nuvens deve estar é o coitado do passarinho, isso sim.
Bixo otário mah...
Veja a melhor parte, certo?
Talvez esse fosse o destino do pombo para que o destino dos seus resíduos não parassem em você.
Ele morreu pra salvar, talvez, a sua blusa querido.
Gostei de ler.. foi bem fácil, bem.. como mesmo? "Expressivo".
A morte.. Duas mortes.. Pombos comem minhocas.. Quem sabe se o pombo que você viu morrer não seria o pássaro que comeria a minhoca que você matou. Ou seja, a minhoca estaria livre, uma vez que seu predador natural, o especime que iria devorá-la para saciar-lhe a fome e dar continuidade a cadeia alimentar, estava morto. Porém, um jovem estudante em um belo momento de inspiração futebolistica-existencial despedaçou-a em pedaços.
>Antes o passarinho do q a gente, mah... (foi o mais profundo q consegui pensar)
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