terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

1.Vagar

O mar dava lá suas reviravoltas e a onda que banhava a areia numa queda vertical jogava ao ar respingos que nos atingiam os rostos. Gotículas várias nos tocavam e, levissimamente nos tocavam, ela foi quem primeiro notou. Atentos um tanto mais, perscrutamos o mar e o ar - um instante, que agora percebo, antecipei-me quase todo, expus mais do que devia na frase com que iniciei este relato. As danadices do mar, estas todos já esperam, que por culpa da lua, sabemos, vive ele sua eterna indigestão; mas que da onda derradeira, numa queda vertical escrevi, como se pudesse de outra maneira se dar algo que cai, vinha a poeira d'água quase despercebida, isso ainda estávamos por descobrir. Por isso é que ao ar também lançamos suspeitas - um fino sereno seria?, e um motivo para irmos embora. Mas era ainda uma busca. Liamos e reliamos tudo aquilo escrito acima e abaixo da linha lá longe estendida, que nela própria nada havia. Porque talvez sejam mesmo tortas Aquelas em que dizem o certo escrito - o que escrevo enquanto me pergunto o que há de errado em rasurar. E considerando que vemos reto perfeito o horizonte que, em verdade, é todo curva - como curvo também é o plano em que empilhamos um mundo de nós mesmos - e beira de abismo nenhum, o que digo é, com certa paz que de súbito me atinge, escrever é ser, ou o ato de ser, um pouco Deus. Mas fujo-me completamente. Se há muito dito em poucas frases, nada há em tantas outras.

2 comentários:

R. disse...

Parece que eu vivi de novo, só que com mais poesia. É lindo ver uma noite que é um tijolinho de mim em boas palavras de um amigo que também é um tijolinho de mim... ou materia pra argamassa Continua!

Juss disse...

"escrever é ser, ou o ato de ser, um pouco Deus."

E é pra poucos, meu caro.
Lindo texto! Articulou muito bem as palvras...e que palavras ce escolheu, hein. Texto deveras perfeito. Como ce falou, dá até orgulho!