quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

4.Fim

Guardo cá ainda uma última frase, "só num instante certeiro é que se percebe a forma espiralada em sua mais perfeita configuração", inacabada e sem irmãs; não me veio só, traduziria idéia maior de como tudo a nada vai gradativamente: enquanto vivemos... não prossigo - poucas linhas que foram, foram-me suficiente - já muito falei de morte.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Lento lapidar (sujeito a alterações)

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Clarice Lispector

Dificuldade em continuar obras inacabadas. Textos interrompidos. Idéias dispostas de um jeito que não estou.

Tenho vontade mesmo é de uma hora arrumar tudo, tirar todo o pó. Só me pergunto o que de mim seria.

Se retirássemos todo o pó, nós mesmos não restaríamos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

3.Ventura

Um peixe morria um pouco à frente. Ele, o único de pé, foi conferir; murchou os lábios afirmativo e voltou.

Nada escapa a uma observação insistente ou, melhor dizendo, sempre algo há de permanecer se são olhos atentos os que averiguam: o mar, onda a onda enchente, parecia querer velar a escamada ovelha que se desgarrou - avançava tremuloso e solene. Onda a onda enchente, vinha, pois que em busca; vinha buscar, para fazer-se de túmulo e oferecer-lhe o que a nós seria um último suspiro: seu último mergulho. Lembra-me agora o céu de um colorido choroso, roxos e cinzas pálidos e profundos e um pesaroso azul. Gotículas várias nos tocavam, levissimamente nos tocavam. Já não ouso dizer o que agora elas me parecem.

_Sim, mas mesmo com aquela tua filosofia lá?
_cara... é. situações e oportunidades moldam o que for. o segredo é não começar. mas... começei já. começaram. comecei. sucumbi. a vida é dura.


_É. Se tá na chuva é pra se molhar.
_melhor assim, ó: na chuva, trovoada é música.
_melhor assim, ó: na chuva, minhas lágrimas ninguém vê.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

2.Constatação

Estávamos à procura do invísível. Estivemos. Ou estamos ainda? De novo divagaria se me embrenhasse por idéias essas do invisível e suas curvas e sua origem. Mas é válida e persistente a interrogativa - mesmo sem me querer perder por longos ramos de idéias outras, fazê-la exposta já desvia o curso do pensar: se não discorro sobre o trajeto, evidencio o brusco arco em cotovelo, donde, percebo, de novo divago. O corpo quieto muito faz executar a mente quando sentado à praia a ver o mar, ou à escrivaninha, praticando o interessante exercício de só sentir: enquanto aqui movem-se o dedos, lá moviam-se os olhos, e viamos: o agitar-se do mar, o fazer-se da onda, seu espatifar-esparramar-se, deixando ao vento o encargo de salpicar-nos com, sim, agora era sabido, gotículas do mar, e o recuo, para que tudo se desse novamente.

_tinha esquecido a borracha. agora vou.
_Ei.
_diz. - Morde os lábios com a cara de quem antecipadamente agradece um "boa sorte".


_Se o papai na volta for passar no supermercado, diz que é pra ele trazer ovo.
_tá.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

1.Vagar

O mar dava lá suas reviravoltas e a onda que banhava a areia numa queda vertical jogava ao ar respingos que nos atingiam os rostos. Gotículas várias nos tocavam e, levissimamente nos tocavam, ela foi quem primeiro notou. Atentos um tanto mais, perscrutamos o mar e o ar - um instante, que agora percebo, antecipei-me quase todo, expus mais do que devia na frase com que iniciei este relato. As danadices do mar, estas todos já esperam, que por culpa da lua, sabemos, vive ele sua eterna indigestão; mas que da onda derradeira, numa queda vertical escrevi, como se pudesse de outra maneira se dar algo que cai, vinha a poeira d'água quase despercebida, isso ainda estávamos por descobrir. Por isso é que ao ar também lançamos suspeitas - um fino sereno seria?, e um motivo para irmos embora. Mas era ainda uma busca. Liamos e reliamos tudo aquilo escrito acima e abaixo da linha lá longe estendida, que nela própria nada havia. Porque talvez sejam mesmo tortas Aquelas em que dizem o certo escrito - o que escrevo enquanto me pergunto o que há de errado em rasurar. E considerando que vemos reto perfeito o horizonte que, em verdade, é todo curva - como curvo também é o plano em que empilhamos um mundo de nós mesmos - e beira de abismo nenhum, o que digo é, com certa paz que de súbito me atinge, escrever é ser, ou o ato de ser, um pouco Deus. Mas fujo-me completamente. Se há muito dito em poucas frases, nada há em tantas outras.