domingo, 30 de novembro de 2008

Cruzador Em Mim

_E agora que me percebo o peito livre, dói essa outra dor no mesmo lado esquerdo. Dor que dói em forma de Cruz, centrada na minha têmpora esquerda, com a base quase a se apoiar na boca. É torta a Cruz, é divina a dor. E, eu sei, o que fiz, o que queria fazer, o que deixei de fazer, o que deveria ter feito, tudo é razão para que ela se faça, mesmo que não seja ou mesmo não sendo, e sei que não é, específico o ato, porque não precisa ser: a dor é assim, como o gosto do sangue quando se corta o lábio, elevação na testa quando se bate a cabeça; não é castigo, é resposta. É, é. E na minha Cruz se pendura um rapaz do tamanho de um feto, que vai e vem e puxa e estica, modela e belisca como quem desconhece - e despreza - a dor que o outro sente. Por isso dói. Ele é um rapaz do tamanho de um feto, feto magro, feto miniatura, homem-esqueleto feto, que é tão ele mesmo, feto, quanto a Cruz que o sustenta e, sendo a Cruz a minha dor, dói em mim o que em verdade ele quem sente. Corpo intruso, persistente, vivo, frágil; em contato ao frio - tentei afogar o insuportável em compressa gelada - tremeu, contorceu a si e, convulso, agarrou-se a minha dor, sua Cruz, não como Aquele, mas como uma criança que abraça forte a mãe; abraça forte a mãe, de costas para o mundo. E, se nele doía, dóia em mim.

Três dias durou.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

antesdoá

Não lembro como se deu o trajeto das idéias, mas noite dessas fiquei a matutar sobre respostas para 'O que vem antes da letra A'. Não há sentido algum na pergunta, eu sei, e exatamente por isso foi que dediquei tempo considerável na elaboração de respostas. Em geral, achei-as ruim. Mas tomei nota.

Antes da letra A vem uma suspeita, uma intenção, dois olhos arregalados, uma boca semi-aberta.

Antes da letra A tem a margem de onde escorre tinta e sangue.

Antes do A vem um cacarejo rouco, seguido de outros dois em melhores condições.

Antes do A tem o silêncio.

Antes do A vem a dúvida, um gesto incerto, o medo de errar, a certeza de que não há resposta certa.

Antes do A vem a sede, a fome que não se explica, o choro convulso, compulsão, a vontade de dizer.

Antes do A tem qualquer coisa. Qualquer coisa.

Antes do A, há o que há entre e une a carne ao osso.

E há pixels luminosos em branco.

Há a sabedoria plena, a pureza do sentimento. Há um mundo de palavras sinceras.

Antes do A não há sentido. Sonho e beliscão.

Antes do A a gente acorda e não sabe onde está.


Se o tema me tivesse rendido um texto legal eu teria dúvidas entre as 4 respostas abaixo para ficar como desfecho. Cada uma carrega um tom diferente.

Antes do A tem um Bê ao contrário que - não sei por quê - é vermelho.

Antes do A vem o infinito. O zero. Ou o 'z'. Daí o alfabeto se fecha em círculo.

Antes do A a gente brinca, só brinca. Tem 'papai', tem 'mamãe', tem sorriso e brincadeira. Antes do A a gente bate a cabeça bem forte na quina e chora sem fôlego mesmo depois que passa a dor, porque a gente quer colo e atenção. Antes do A tem dor, mas tem mimo também.

Antes do A vem o pesar de quem diz 'adeus' em vez de 'até' - e queria mesmo era falar 'amor'.

sábado, 1 de novembro de 2008

A vaga

Procura-se uma vaga, mas estão todas ocupadas. Há um quê de poético, que têm todos os trocadilhos bobos, nas vagas que se ocupam. Porque se trata de uma vaga - espaço vago é o contrário de uma vaga ocupada. A vaga abdica do nome que de todo lhe representa e perde toda sua funcionalidade enquanto vaga, porque ocupada. Ocupada.

Isso me faz pensar em sentimentos e compromissos, relacionamentos, ciúmes e perguntas do tipo "Você me ama?". Avalio se posso usar disso para dar continuidade e escrever um bom texto.

Não.

Mas mais fácil seria se existisse algo em que definitivamente pudéssemos nos agarrar.

"Ser", e não sempre "estar".