terça-feira, 16 de setembro de 2008

Aboaonda

De longe vejo se formar a boa onda. Lisa parede. Bela que só ela. Estou longe; contemplo. Apresso-me só para que ela perceba que eu desejei estar perto. Passam por mim os escombros dela. Passo eu por eles desejoso. Otimista.

O pensamento que me consola é irremediavelmente egoísta - perdi a boa onda porque outras mais me estão reservadas adiante - quem sabe... Saberei. (Mar caudaloso, as chances estão comigo.) Perdi a boa onda. Outras virão. Há males que vêm para o bem, não se sabe o dia de amanhã, o futuro a Deus pertence. Quem canta seus males espanta e, cantarolando uma qualquer, vou.

Onde quase já não dá pé, espero. Ondas, pouco aproveitáveis, nenhuma como aquela, vão-me tirando o fôlego a cada mergulho. (Mar caudaloso, as chances me abandonam.) Mas talvez uma onda, boa lisa parede bela que seja, recompense-me a paciência. Talvez - não, sequer talvez; o tempo em que estive a mergulhar, se aproveitada a boa onda, se levado fosse por ela até o raso, se levado fosse por ela até a areia enxuta, até a calçada lá perto da rua, seria-me suficiente para desapressadamente regressar ao ponto em que ora estava e, sem perdas, esperar.

Percebo-me intraquilo. Percebo-me desamparado. Derrotado. Amaldiçoo algumas, várias ondas. Almadiçoo aquela em especial. Amaldiçoo meu atraso. Almadiçoo-me a percepção e percebo então o aprendizado.

Não soube eu respeitar a incerteza, sólida verdade. Imaginei que o mar me satisfaria os anseios simplesmente porque poderia ser que sim. Ditei regras ao acaso. Mergulhados os pés, meu corpo inteiro n'água, dado o primeiro mergulho, o segundo, fiz-me parte do mar e me supus ele todo, fingi pensar por ele e me convoquei belas ondas. Ninguém veio. Percebo-me feito aquele que ao berço chora porque lhe falta colo e mimo. Silencio meu pensar. Boas ondas todas são.

Entendi o mar, o acaso, a incerteza - a inquietude liquefez-se. Em saída, reparo no céu. O azul. A nuvem distante e esparsa. O vazio. O sol. Grão de areia incadescente. Estrela-do-mar-do-céu. Dói-me a vista mirá-lo como mirei, baixo o olhar a tempo de ver os últimos torvelinhos d'água que me envolvem os tornozelos, ensaio estar a descobrir algo e eis que o ego me sussurra com sutil voz feminina, tudo para mim, tudo quero eu. Finjo entender, volto, de novo n'água, até a cintura mergulhado, perpassa-me uma corrente quente, sinto. Entendo. Duas vezes entendo.

Eu nem o mar somos os mesmos - passado o tempo que fosse, nada é sabido do que se daria em meu regresso se aproveitada a boa onda.

Eu nem o mar somos os mesmos - não há por que admitir a derrota se derrota não há quando não há competição.

Eu nem o mar somos os mesmos - perdão peço àqueles que amaldiçoei.

Eu nem o mar somos os mesmos - mergulho de novo, renovo-me, e convoco belas ondas.

Eu nem o mar somos os mesmos - tudo pra mim, tudo por mim, tudo sou eu, tudo quero eu.

Volto-me a tempo de ver ao longe se formar a boa onda. Lisa. Bela. Sorrindo, apresso-me.

6 comentários:

Unknown disse...

De longe vejo a onda formada. Ela insiste. Parece esperar alguém. Disfarço, tentando convencer-me de que não é a mim. Atônito. Torço para que ela canse.

raquelholanda disse...

Eu, nem o mar somos os mesmos
pois que
tudo quero eu,
pra mim,
por mim,
tudo que já sou
e de mim já faz parte
desde que o dia nasceu feliz
e de fato eu conheci
o mar.

Não somos os mesmos, ‘estamos’ diversos, vários, múltiplos a cada dia, como a água corrente de um rio, que é aparentemente a mesma, mas que desliza sempre outra e deságua em ‘outrofim’.

th. disse...

pv:
Até dá pra mergulhar de roupa. Mas legal mesmo é vestindo só a sunga e o sol.

Caio Castelo disse...

Isso tá tipo uma oração ao mar, pena que aqui não tem=\

raquelholanda disse...

Volta a escrever, volta?!
Por uma questão de sobrevivência.

raquelholanda disse...

Meu amor, o que você faria se só te restasse um dia? Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria? Ia manter sua agenda, de almoço, hora, apatia? Ou esperar os seus amigos na sua sala vazia? Meu amor, o que você faria se só te restasse esse dia? Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria? Corria pr'um shopping center ou para uma academia? Pra se esquecer que não dá tempo pro tempo que já se perdia? Meu amor, o que você faria se só te restasse esse dia? Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria? Andava pelado na chuva? Corria no meio da rua? Entrava de roupa no mar? Trepava sem camisinha? Meu amor, o que você faria? O que você faria? Abria a porta do hospício? Trancava a da delegacia? Dinamitava o meu carro? Parava o tráfego e ria? Meu amor, o que você faria se só te restasse esse dia? Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria?

(Último dia – Paulinho Moska)