domingo, 14 de setembro de 2008

A boa onda

De longe vejo se formar a boa onda. Lisa parede. Bela que só ela. Estou longe; contemplo. Apresso-me só para que ela perceba que eu desejei estar perto. Passam por mim os escombros dela. Passo eu por eles desejoso. Otimista.

O pensamento que me consola é irremediavelmente egoísta - perdi a boa onda porque outras mais me estão reservadas adiante - quem sabe... Saberei. (Mar caudaloso, as chances estão comigo.) Perdi a boa onda. Outras virão. Há males que vêm para o bem, não se sabe o dia de amanhã, o futuro a Deus pertence. Quem canta seus males espanta e, cantarolando uma qualquer, vou.

Onde quase já não dá pé, espero. Ondas, pouco aproveitáveis, nenhuma como aquela, vão-me tirando o fôlego a cada mergulho. (Mar caudaloso, as chances me abandonam.) Mas talvez uma onda, boa lisa parede bela que seja, recompense-me a paciência. Talvez - não, sequer talvez; o tempo em que estive a mergulhar, se aproveitada a boa onda, se levado fosse por ela até o raso, se levado fosse por ela até a areia enxuta, até a calçada lá perto da rua, seria-me suficiente para desapressadamente regressar ao ponto em que ora estava e, sem perdas, esperar.

Percebo-me intraquilo. Percebo-me desamparado. Derrotado. Amaldiçoo algumas, várias ondas. Almadiçoo aquela em especial. Amaldiçoo meu atraso. Almadiçoo-me a percepção e percebo então o aprendizado.

Não soube eu respeitar a incerteza, sólida verdade. Imaginei que o mar me satisfaria os anseios simplesmente porque poderia ser que sim. Ditei regras ao acaso. Mergulhados os pés, meu corpo inteiro n'água, dado o primeiro mergulho, o segundo, fiz-me parte do mar e me supus ele todo, fingi pensar por ele e me convoquei belas ondas. Ninguém veio. Percebo-me feito aquele que ao berço chora porque lhe falta colo e mimo. Silencio meu pensar. Boas ondas todas são.

Entendi o mar, o acaso, a incerteza - a inquietude liquefez-se. Em saída, reparo no céu. O azul. A nuvem distante e esparsa. O vazio. O sol. Grão de areia incadescente. Estrela-do-mar-do-céu.

Volto-me ainda. De longe vejo se formar a boa onda. Lisa parede. Bela que só ela. Estou longe; contemplo. Melhor assim.

6 comentários:

raquelholanda disse...

Amaldiçôo-me.

Anônimo disse...

belo.

e o que voce acha da onda?
nao teria ela se lamentado, nas profundezas do oceano, por ter perdido a chance de ter alcançado um bom surfista de onda?

maria, só maria. disse...

oi...que história é essa de poema no "anjos de prata"? nunca publiquei nada meu não, deve ser engano.
mas tenho um poema com esse nome sim.

bjo

Unknown disse...

Profundo..

th. disse...

raquel:
Amém.

chico:
O mar inteiro chora, meu caro. Lágrimas, por isso tão salgado. =D

maria:
Usaram do teu nome em vão, então.

ph.:
Exatamente. Exatamente.

Caio Castelo disse...

Lembra de quando tu me falou da idéia de escrever sobre a tal boa onda naquele dia? Lendo agora percebi que o resultado saiu bem semelhante a tudo aquilo que tu me disse lá na praia, ainda que ao acaso, me contando o episódio. Quase uma reprodução, isso aí foi o cúmulo da metalinguagem!