sábado, 20 de fevereiro de 2010

Mão no bolso, cabeça baixa

Vou chutar a pedra, eu sempre chuto.

Eu tenho nas mãos também, é uma inquietude, não é tremor fino, que tremor fino é outra coisa. Eu mexo em tudo, brinco, balanço, amasso, rasgo. Se alguém nota, fico constrangido, porque acho que acham que é insegurança: me esforço e paro, e também me esforço para que não me seja notado o esforço. É duro, vai pensar. Por isso eu chuto quando dá pra chutar, deixa as mãos livres. E ninguém repara, porque parece um joguete e todo mundo decide fazer igual. Numa hora fica estranho, esfria a brincadeira; dá para brincar sozinho?, dá, mas é coisa toda esquisita, meditativa, meus amigos onde estão?, não é legal, melhor, não é tão legal, mas o certo é que, enquanto funcionar, enquanto estiver quente, e falo de enquanto antes que esfrie, está ali em cima, vê, "esfria a brincadeira", enquanto funcionar, dizia, funciona.

Eu chuto, depois você de onde ela parar; o canteiro da rua acaba o jogo quase sempre e há quem teime pegar com a mão para continuar e a magia vai toda embora*; é um problema danado esse de haver um quem queira mais...

Antes, eu sempre teimava, eu sempre pegava, eu sempre queria. Hoje eu nem ligo mais. Chuto. Chuto só. Chuto no canteiro, chuto o canteiro. Dou cada bicada, vê meu dedão estourado.

* Cada chute imanta a pedra com um não sei o quê e isso não faz sentido, eu sei. Mas é que não se deve mesmo pegar com as mãos.

4 comentários:

Regis Torquato Tavares disse...

Satisfeito por ter lido algo bom novamente.
Abraço.

Danilo Castro disse...

é ruim mesmo conhecer o autor. Talvez melhor fosse se eu pudesse lê-lo sem ter que pôr a mão no bolso, baixar a cabeça e procurar uma pedra ou uma latinha de coca pra chutar. Eu não consigo me distanciar do objeto. Li duas vezes, uma vez como amigo, outra vez como leitor qualquer transeunte. Sabe no que deu? Nada. Vou ler de novo qualquer dia desses, talvez isso mude uma vez. É, acho que os textos são sim mutáveis, depende do tempo. Ou quem muda somos nós? Pera, ainda não comentei do texto. Vou pensar ainda.

Danilo Castro disse...

Tem texto novo lá pras minhas bandas também.

th. disse...

Danilo, mas é, nem precisa dar em algo não. Se encontrar alguma coisa, satisfação, se não, segue reto. Esse texto é bem despretencioso, suspeito não haver camadas e camadas, a você que é fã de cebolas. Mas, vá lá, é isso mesmo. Também tenho dificuldades em ler teus textos imparcial àquele fundo preto e aos olhos lá em cima quase que já perguntando "e aí, que achou?", hehe.