O pensamento que me consola é irremediavelmente egoísta - perdi a boa onda porque outras mais me estão reservadas adiante - quem sabe... Saberei. (Mar caudaloso, as chances estão comigo.) Perdi a boa onda. Outras virão. Há males que vêm para o bem, não se sabe o dia de amanhã, o futuro a Deus pertence. Quem canta seus males espanta e, cantarolando uma qualquer, vou.
Onde quase já não dá pé, espero. Ondas, pouco aproveitáveis, nenhuma como aquela, vão-me tirando o fôlego a cada mergulho. (Mar caudaloso, as chances me abandonam.) Mas talvez uma onda, boa lisa parede bela que seja, recompense-me a paciência. Talvez - não, sequer talvez; o tempo em que estive a mergulhar, se aproveitada a boa onda, se levado fosse por ela até o raso, se levado fosse por ela até a areia enxuta, até a calçada lá perto da rua, seria-me suficiente para desapressadamente regressar ao ponto em que ora estava e, sem perdas, esperar.
Percebo-me intraquilo. Percebo-me desamparado. Derrotado. Amaldiçoo algumas, várias ondas. Almadiçoo aquela em especial. Amaldiçoo meu atraso. Almadiçoo-me a percepção e percebo então o aprendizado.
Não soube eu respeitar a incerteza, sólida verdade. Imaginei que o mar me satisfaria os anseios simplesmente porque poderia ser que sim. Ditei regras ao acaso. Mergulhados os pés, meu corpo inteiro n'água, dado o primeiro mergulho, o segundo, fiz-me parte do mar e me supus ele todo, fingi pensar por ele e me convoquei belas ondas. Ninguém veio. Percebo-me feito aquele que ao berço chora porque lhe falta colo e mimo. Silencio meu pensar. Boas ondas todas são.
Entendi o mar, o acaso, a incerteza - a inquietude liquefez-se. Em saída, reparo no céu. O azul. A nuvem distante e esparsa. O vazio. O sol. Grão de areia incadescente. Estrela-do-mar-do-céu. Dói-me a vista mirá-lo como mirei, baixo o olhar a tempo de ver os últimos torvelinhos d'água que me envolvem os tornozelos, ensaio estar a descobrir algo e eis que o ego me sussurra com sutil voz feminina, tudo para mim, tudo quero eu. Finjo entender, volto, de novo n'água, até a cintura mergulhado, perpassa-me uma corrente quente, sinto. Entendo. Duas vezes entendo.
Eu nem o mar somos os mesmos - passado o tempo que fosse, nada é sabido do que se daria em meu regresso se aproveitada a boa onda.
Eu nem o mar somos os mesmos - não há por que admitir a derrota se derrota não há quando não há competição.
Eu nem o mar somos os mesmos - perdão peço àqueles que amaldiçoei.
Eu nem o mar somos os mesmos - mergulho de novo, renovo-me, e convoco belas ondas.
Eu nem o mar somos os mesmos - tudo pra mim, tudo por mim, tudo sou eu, tudo quero eu.
Volto-me a tempo de ver ao longe se formar a boa onda. Lisa. Bela. Sorrindo, apresso-me.